The xx, Florence e as novidades de ontem

Para quintas-feiras que são quase noite de sexta ou apenas mais despreocupadas que o geral. Proposta também válida para nervos por resolver e dúvidas existencialistas. É daquelas que serve todas as medidas, que não é nova mas insiste em ser sempre fabrico do dia:

– Das entrevistas que tens dado, muitas vão aparecer com Chico Fininho no título..

não é muito original, mas percebo. Mas podem chamar-me pelo meu nome, é o mais correcto. Em 79, quando, assinei o contrato com a editora, também me perguntaram “então e qual é o nome que vais usar?”. Nome artístico? O que é isso? Pode não soar muito bem mas é o meu nome. Mas no contrato tinha qualquer coisa como “Rui Veloso, aka qualquer coisa”… sei lá, tony Miranda.

– custa-te a crer que já fizeste 30 anos de carreira?

Nunca pensei em nada disto, nunca pensei propriamente numa carreira, era apenas uma coisa engraçada que estava a acontecer na minha vida mas que podia acabar de um dia para o outro. Enquanto não se ganha dinheiro que se veja, que me dê para pagar a renda, para comprar uma guitarra, sempre estive no prelo. Não sabia onde ia chegar e vou chatear-me com isto um dia porque não sei onde vou chegar e não vou conseguir comprar uma guitarra ou um amplificador. E passei durante muitos anos por isto.

– antes do primeiro disco o que tinhas, bandas…

não tinha nada, tocava em casa, basicamente, desde 1973, 74, tinha lá esta viola, que era do meu pai.

– era músico

não, engenheiro, mas tocava. Ainda toca. No orfeão, orquestra de tangos, tocava fados de Coimbra…

– tinhas quantos anos?

Aí uns 15

– E o que é que tocavas na altura?

Eu não aprendi a tocar canções, não me dava ao trabalho de tirar músicas de outros. Talvez uma ou outra de Neil Young, Tom Waits, Eagles, Crosby Stills & Nash. E depois blues, quando comecei a perceber a Mecânica da coisa, devagarinho. Em 76 tive uma banda, Contraponto. Era guitarrista, cabelo comprido. Tinha uma hagstrom, ainda a tenho. Foi a primeira guitarra com que toquei com o BB King. Cantava stevie wonder… aquilo tinha dois vocalistas. Depois comecei a dar nos blues. Tinha o piano do meu avô na cave. Ouvia muito os blues na rádio, gravava, andava sempre à procura daquilo. Gravava em bobine. A rádio ajudou-me muito a fazer a minha selecção musical. Tinha sempre uma bobine na velocidade mais lenta, dava menos qualidade mas mais tempo de gravação. Tudo em mono. Depois lá tive um Sony com duas colunas, um microfone de plástico. As minhas maquetas eram gravadas com isso. Já pensei em pôr isso no meu site para o pessoal ouvir mas…

– e como se passa disso para um disco?

Fazendo o mais difícil de tudo primeiro que foi sair do Porto e ir para Lisboa.

– porquê

Porque não havia hipótese em qualquer outra zona do pais. Lisboa é Lisboa e o resto é paisagem. Hoje ainda é assim mas na altura ainda era mais. Por isso os libsoetas conhecem mal Portugal. Nem conhecem o que está à volta de Lisboa. A maior parte dos lisboetas nem conhecem Loures. Lisboeta conhece Cascais, a Linha… e para dentro? Zero.

– e essa mudança foi complicada?

Opa, um sacrifício…

– vieste viver para onde?

Para casa de uns tios, ela era professora de piano. No jardim Constantino. Estive lá uns meses. Depois fui viver para casa da xila e do Zé Carrapa, na rua Ivens, no Chiado.

– é uma zona bonita

e então? Queria lá eu saber disso. Queria era ir para o porto. Na altura não tinha o contacto com as pessoas que tenho hoje. Havia mais rivalidade Porto-Lisboa, o pessoal daqui achava muita piada ao meu sotaque e eu ficava em brasa. Tive que largar os meus amigos, a malta do café.

– E vieste com as gravações que fizeste em casa.

Sim, mostrar à editora. Não conhecia nenhum músico. O produtor, o António Pinho, é que me sugeriu os Petrus Castrus. Cheguei a ensaiar com eles as minhas músicas mas não me identifiquei com eles musicalmente. Apesar de ser imberbe  o contacto com outros músicos vi logo que não era por ali. Depois o António propôs o Zé Nabo e o Ramon (Galarza). O Zé Nabo já era uma instituição e eu era um puto, com 23 anos. Juntámo-nos para fazer os arranjos. Não tinha muitas ideias, eles é que percebiam da coisa. E gravámos um disco em quatro dias.

– e fez logo sucesso

sim, por causa da rádio. E com muita ajuda do Chico Fininho. Chegava a passar duas vezes seguidas, no Rock em Stock, do Luís Filipe Barros. “Ai não ouviram bem, então tome lá”. “Ahora a rapariguinha do shopping”, duas vezes seguidas. “Isto é que é o rock português”, dizia ele.

– e quando ouviste a tua música na rádio pela primeira vez?

Muito esquisito. Lembro-me de estar na praia, na ilha de Faro, com a minha namorada, e um gajo alia ao lado a ouvir-me na rádio. Ninguém me conhecia no Verão de 80.

– tanto sucesso quando nem havia muita música como a tua em Portugal…

Pois, produto original, meu e do Carlos Tê. Calhou-nos a nós. Não fiz nada por isso.

– Vai daí, o pai do rock português

dizem que sim. Não me soube tão bem foi quando soube que a mãe do rock era o José Cid. Isso aconteceu logo no início, com o jornal Rock Week e o Luís Vitta.

– então o retorno financeiro veio logo nessa altura?

Não, ainda demorou uns seis ou sete anos. Os três primeiros discos fizeram muito pouco dinheiro. Ganhava-se pouco. Eu separei-me em 85 e lembro-me que não tinha dinheiro. Fui viver para uma casa de uma amiga, ela emprestou-me um andar em Cascais. Andei seguramente dois anos a viver de 25 contos na EMI, mais cinquenta contos ali. Cheguei a ir ao banco levantar um cheque de cinco contos, com a minha 4L, e o senhor do banco dizer “não tem”. E o pessoal já me topava, já me reconheciam por causa da televisão. E lá voltava eu para a Valentim de Carvalho “precisava aí de vonte contos”. Era difícil. Agora as coisa estão melhores.

– mesmo para músicos que não têm a tua popularidade?

Sim, para todos. Para já, dantes demorava-se sete horas para chegar a Mirandela. Agora no máximo quatro horas. Um concerto eram dois dias.

– tocavas muito na altura?

Sim, cheguei a fazer 20 concertos em Agosto. Mas ganhávamos uma ninharia. Já ia dando para a gasolina e para comprar uns móveis. Mas não dava para férias.

– Quando é que a coisa muda?

Com o quarto disco, o “Rui Veloso”, que era para se chamar “Os Vês pelos Bês” e que os tipos da editora decidiram censurar o título. Na altura eu e o tê ficámos ofendidos com isso. Ainda hoje fico.

– mas foi aí que deu a volta

sim, porque fiz canções como o Porto Sentido, o Cavaleiro Andante. Vendeu 80 e tal mil. Mas só comprei uma casa depois do Mingos & Samurais. Lembro-me de fazer contas e receber metade do que esperava, por causa dos adiantamentos que eles já me tinham dado.

– alguma vez sentiste que gostavam mais de ti em Lisboa ou no porto?

É mais ou menos igual. O portuense é diferente, porque tem mais sentimento de posse, aquela coisa do “este é nosso”. Mas agora acho que a ligação ainda é mais forte. Porque a primeira fase é de desconfiança, ainda vai virar mouro ou assim.

– és do FC Porto

não, sou do Boavista. Infelizmente está na situação em que está mas não ligo muito a futebol.

– mas e se te custou tanto a vir para Lisboa, não voltaste para o porto?

Não, nunca mais. Dois anos depois tive uma filha, em 82. Nasceu aqui, a mãe estava aqui, o centro das coisas estavam aqui, como os estúdios e as agencias de espectáculos. Agora é perfeitamente possível fazr esta vida no Porto. Há malta que não sai do Porto, o Pedro Abrunhosa, os Clã, os Expensive Soul… Gostava de ter uma casa lá mas não tenho cacau.

– O rui Veloso não tem dinheiro para comprar uma casa no Porto?

Tenho, mas ficava teso. E não quero, não posso. E tenho filhos, três, e tenho de ter sempre um pé de meia.

– Não és rico?

Em relação ao estado do pais, até sou, mas se for comparar com as pessoas ricas não. Não sou milionário, nunca consegui ter um milhão, nem de longe nem de perto.

– como surge a Dinâmica com o Tê?

Foi um amigo comum que nos apresentou. Ouvíamos música juntos, naquele tempo, na casa uns dos outros. Agora manda-se um mail ou usa-se o YouTube. Na altura só havia uma canal de televisão, a preto e branco. E eu durante muito tempo nem tinha televisão em casa, tínhamos de ir ver na dos vizinhos. O café também não tinha. Só o meu avô, víamos lá aos domingos. Víamos os desenhos animados, o Mascarilha, o tintim, Pepe Legal, barreira de Sombra, o Cartaz TV com o Jorge Alves.

– e porque não fizeste tu as letras?

Para quê, se um gajo tem um Tê? Eu só escrevia em inglês. Em português havia meia dúzia de coisas porreiras mas o panorama era tristíssimo.

– e porquê em, português?

Porque os gajos da editora fizeram força para que fosse em português. E o Tê lá fez isso, muito relutantemente. Nem escreveu letras que chegasse, duas delas são do pinho, o donzela diesel e o Miúda. Não havia mais letras. Coisas que nunca ais toquei.

– Há canções que tocas todas as noites

sim, todas as noites.

– alguma vez falhaste o Chico Fininho?

Nunca.

– e o Porto Sentido, o Porto Côvo…

Essas talvez. O Porto Sentido nos últimos anos não falho. E a paixão. Mas está a cansar-me um bocadito.

– enao escrever letras e cantar em inglês é para esquecer?

Não, ponho claramente essas duas hipóteses daqui para a frente. Tentar fazer escrever alguma coisa e cantar em inglês, na medida em que os meus filhos dão-me cabo da cabeça para que eu o faça. Os mais novos, que têm 15 e 16. Tenho duas canções em inglês, o Maubere e o Golden Days. E eles gostam. Eu digo que não, que não tenho treino para isso. E eles dizem “mas era fixe o pai cantar em inglês”. Nme que seja uma incursão pelos blues, com coisas antigas. Se não tivesse sido operado no ano passado tinha feito uma banda de blues e comemorado os 25 anos da minha actuação no Jazz de Cascais., gostava de o ter feito. Estragou-me completamente os planos. A mim, ao Manuel Paulo, ao Manaia, a malta que está agora a tocar comigo nos Mingos e Samurais. Estava tudo previsto para fazer uma digressão blues pelas capitais de distrito.

– não estavas à espera dessa interrupção forçada

não estava à espera mas trabalhei muito para isso. Já tinha tido uns avisos porque durante muito tempo fui um jovem muito estouvado.

– e agora, estás mais calmo.

Não, continuo como sempre fui.

– O mingus e samurais, mudou tudo.

Sim, foi depois disso que tudo mudou. E foi depois também que vim para aqui. Estou aqui há 18 anos e tenho tido sempre obras. Vou fazendo. Porque o disco me deixou fazer isso. Vou tocar à latada a Coimbra, putos de 19 anos que sabem as letras das canções. Tudo a cantar por cima das músicas.

Isto aqui tinha uma vacaria, pocilga, galinheiro, coelheira. As cobras vinham aqui mudar a pele, ficavam aqui penduradas. Tinha um prensa para a uva, couves.

– mas o mingus foi um disco mais pensado que os outros.

Para mim talvez não, apenas porque teve mais músicas. Mas talvez para o Tê, que andava a matutar na ideia há dez anos. A história do conjunto andou com ele muito tempo. Mas fazer um duplo álbum só para malucos. Só o fiz porque havia muitas canções e a malta só as podia gravar assim. A editora não estava muito excitada porque era difícil vender aquilo, os duplos álbuns eram caros. Mas era tão fora do vulgar que tinha de ser gravado assim.  E tinha um pouco de sedução pelo meio. “Disseste que se fosse audaz tiravas o vestido.” E ela não tirou. Curiosamente, o meu segundo disco de originais mais vendido deve ter sido o auto da pimenta. Praí 120 mil discos. E foi o que saiu a seguir. E também é duplo.

– esse foi o pico, desde então não se repetiu.

É muito difícil até porque se compram menos discos. Não será impossível mas tem que haver algo mais para que as pessoas o queiram. Tem que se oferecer algo mais às pessoas. Porque com esta coisa das cópias e da Internet e muito complicado. Por isso é que eu acho muito bem esta coisa do direito da cópia privada. Tudo o que dê para reproduzir tem que ter um imposto para reverter para os autores, compositores, etc. Se não ninguém mais escreve nem compõe. Esses gajos que acham que os direitos de autor devem ser liberalizados e não se deve pagar podem um dia deixar de ter autores. Que é um bocadinho o que está a acontecer com o Tê. Ele diz que não quer escrever porque não vale a pena. Antigamente a malta ainda vendia muitos discos. Agora não é assim. Não há incentivo.

– e isso não te preocupa, o Tê poder não voltar a escrever?

Não. Tenho pena mas se não escreve não escreve, arranja-se noutro lado. Como ele não há mas há outros. Eu sou basicamente um compositor cantor, guitarrista, não sou poeta nem sou ligado à poesia. Não sou. Poesia é para gente muito sensível, eu não sou, sou qb.

– como é que as pessoas te vêem.

Um bacano, um gajo porreiro, gostam das canções, identificam-se. Em geral achoque têm boa opinião minha, é a ideia que tenho.

– podes andar à vontade na rua

às vezes acontece, mas é raro. De vez em quando. Os brasileiros pedem muito. “O anéu dji rubi”, dizem-me. E em Angola também.

– Desde que começaste a tua carreira, acompanhaste a crítica, aquilo que foram dizendo de ti.

Não, nunca tive muita paciência para isso. E na verdade os críticos detestam-me, sempre disseram mal de mim. Mas eu também não gosto da crítica em geral, é uma coisa mais ou menos recíproca. Normalmente não sabem do que estão a falar mas até é uma questão mundial, não é daqui. Sempre tive esta relação com a crítica e até tive algumas, há uns anos, que foram relativamente insultuosas. E a maior parte das coisas não li, tenho mais coisas para fazer. E tenho aí os recortes. Só vejo o que a minha mãe me faz, ela faz um álbum anual há trinta anos, com fotografias que as amigas deixam lá, que tiram das revistas. E depois dá-mos. Mas gosto por exemplo de ler alguma coisa nos jornais espanhóis, se disseram alguma coisa sobre mim, como aconteceu na altura em que fui tocar à Expo 92, em Sevilha. Acho piada.

Seguramente fiz coisas mal feitas, há coisas das quais me arrependo, muitas coisas que deviam depender de decisões minhas e que não passaram por mi, escolhas feitas a quente. Mas gosto mais de mim e disto tudo do que gostava há 20 anos. Não canto especialmente melhor, não toco especialmente melhor.

– nunca pensaste “estou farto disto, vou mudar de vida”

Não, nada disso. Nem seria possível. Mesmo que fizesse um intervalo, coisa que é possível, teria sempre que produzir uma coisa ou ajudar, alguma coisa ligada à música. Gostava de fazer uma rádio pela Net, que ainda não há bem, não tem o mesmo papel das outras rádios, divulgar música portuguesa que não passa na rádio, desde antiga até à que se afz hoje. Há muita coisa que não chega aos meus filhos. Isso era justo. Um site que quis fazer de downloads de música portuguesa, j+a anmdei a tentar negociar isso em 2003, coma PT e Optimus, foi por água abaixo. Porque em geral não gostam de música portuguesa. Nem sei se gostam muito de portugueses. Gostam dos que pagam. Se quiser agora comprar música portuguesa não sei onde ir. Não há acervo para comprar música nossa, antiga Está tudo em meia dúzia de CDs. Porque as editoras já têm muita coisa em plataforma digital. Porque há quem queira compra o Tony de Matos, o Max, o Alfredo Marceneiro, o Zeca, os Sheiks. E claro, malta nova, artistas que não têm possibilidade de editar um disco, dar a hipótese de eles colocarem ali duas canções para a malta ouvir. Se eu fosse estrangeiro mais depressas tinha conseguido fazer isso, é uma pena que isso aconteça neste país mas é a verdade. Queríamos ter aproveitado a altura do Euro 2004 para ter lançado um site só de música portuguesa, uma coisa que não existe e vendê-la. Houcve um gajo que nos disse a verdade. E reunimo-nos até com o Zeinal Bava. E o senhor da Sapo, muito simpático, disse-nos “a vossa ideia é muito boa, acho fantástico, mas devo dizer-vos que desconfiamos um pouco dos portugueses. E devo dizer que já temos um acordo feito com o Peter Gabriel. O país é fixe, temos é umas elites muito fracas. Sempre tivemos este azar.

– Com quem te falta tocar

Gramava tocar com o Clapton. E não tinha medo. Aguentava-me.

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