Bob Dylan: de adolescente a génio numa mão cheia de discos

Início de 1962. Bob Dylan está a gravar “Man on the Street”, canção que será incluída no seu álbum de estreia. Um minuto após o início da canção, Dylan pára: a letra não está correcta e as cordas tropeçam umas nas outras. Com 20 anos, tem toda a certeza do mundo sobre onde quer chegar e como pretende fazê-lo. Canta como se a década de 60 se preparasse para ser sua – ainda não o sabe, mas a história da música popular reserva-lhe, de facto, o mais destacado dos lugares. “Man on the Street” teria outra vida e o mesmo cuidado de pormenor acabaria por tomar conta de todas as suas criações. Seguiram-se sete anos de puro génio, que hoje ainda parecem desafiadores – essencial recordar o como e o porquê com duas novas edições: “The Witmark Demos”, nono volume da colecção “Bootleg Series” (que tem revelado gravações nunca editadas) e a caixa “The Original Mono Recordings”, com os primeiros oito álbuns do músico.

Se o lançamento simultâneo dos dois registos terá a obrigatória dose de estratégia comercial, a verdade é que está também recheada de sentido editorial, forçando um novo olhar sobre o percurso inicial de Bob Dylan – o mesmo que lhe preparou o caminho para as contínuas reinvenções criativas que protagonizou e o mais importante e popular junto das gerações de compositores e intérpretes que influenciou.

as rimas e os negócios “The Witmark Demos” reúne 47 canções gravadas para a companhia de publishing Witmark. Seguindo as regras comerciais de então, Dylan escreveu e gravou temas que posteriormente foram licenciados para outros intérpretes, como sucedia com quase todos os compositores recém-chegados ao mercado das canções. O caso mais mediático foi “Blowin” in the Wind”, canção transformada em sucesso por Peter, Paul & Mary. Do catálogo que Dylan gravou para a Witmark faziam parte primeiras composições e algumas versões, mas também ali estavam incluídos futuros clássicos, de “Masters of War” a “Mr. Tambourine Man”. Com as canções – que primeiro revolucionaram a folk, depois o rock”n”roll – as interpretações carismáticas e a escrita, Dylan conseguiu seduzir alguns dos mais importantes nomes da indústria musical de 60 e da Nova Iorque do showbiz (de John Hammond, crítico, produtor e caça-talentos, a Albert Grossman, “o” empresário da folk de então). Fez-se artista, não de assinatura mas de corpo inteiro, atribuindo ao álbum criado por um músico folk valor que não existia até então, transformando as regras da economia discográfica e dando novo sentido à definição de estrela pop.

O processo foi iniciado com os registos que se escutam em “The Witmark Sessions”. Já o reflexo artístico desta atitude está nos discos reunidos em “The Original Mono Recordings”: “Bob Dylan” (1962), “The Freewheelin” Bob Dylan” (1963), “The Times They Are A-Changin”” (1964), “Another Side of Bob Dylan” (1964), “Bring It All Back Home” (1965), “Highway 61 Revisited” (1965), “Blonde on Blonde” (1966) e “John Wesley Harding” (1967). Primeiro a apropriação dos contos de outros, depois os relatos na primeira pessoa. Com contestação e sentido de contemporaneidade, mas também procurando a revolução musical, com electricidade e transformando a folk por uma causa em rock pouco ou nada altruísta.

Esclarecimento sobre o “porquê recordar estes documentos em mono”, quando a palavra carrega consigo uma valente dose de coisa remota: as canções foram originalmente gravadas neste formato. As gravações em estéreo eram feitas já desde o final de década de 50 mas o cuidado do artista na produção das mesmas era empregue nos registos em mono, mais populares e utilizados na maioria dos sistemas sonoros (o estéreo ficava por conta de uma rápida revisão assinada apenas por técnicos).

A diferença, neste caso particular: som mais coeso, sem perder pitada de nitidez, e com a vantagem de ser acompanhado pela reprodução das capas originais. Preciosismos para uns, factores decisivos para outros. É escolher.

este texto foi originalmente publicado na edição de 26 de Outubro do jornal ‘i’
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